terça-feira, 2 de dezembro de 2008

VELHOS


Diz que há-de vir
Uma era justa e boa
Em que o valor da pessoa
Se mantém quando envelhece.
Está no trabalho que fez.
Para conseguir uma coisa como esta
Dava o sangue que me resta
E era como se tivesse
Nascido mais uma vez.

Deram-nos este banco de avenida
Onde a sombra nos dói e a tarde gela
E daqui vemos nós passar a vida
Sem que a vida nos sinta perto dela.
Assim nos atiraram para fora
Das coisas que ajudámos a fazer
Ai, como o Sol aquece pouco agora
Ai, muito custa, à noite, adormecer.

Diz que há-de vir, etc.

Fomos pedreiros, varredores, ardinas
Fizemos casas, cultivámos terras,
Criámos gado, entrámos pelas minas
Demos os filhos para as vossas guerras
Demos as filhas para vos servir
Cortámos lenha para a vossa fogueira
E o tempo a ir-se e a gente a pressentir
Que vos demos, sem querer, a vida inteira.

Diz que há-de vir, etc.

E ainda é sangue que nas veias corre
Ainda raiva que nos dobra a mão
Ainda como um sonho que não morre
No nosso velho e atento coração.

Diz que há-de vir, etc.

Afonso Dias

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