quinta-feira, 26 de junho de 2008

CANSAÇO


O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
***
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
***
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
***
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade, infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo,íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
[Fernando Pessoa]

quinta-feira, 12 de junho de 2008

PALAVRAS E GESTOS

Palavras

Palavras doces
Proferidas por uma
Boca lânguida
E sedenta de amor.

Palavras quentes
Que aquecem
Os corpos frios
De solidão.


Palavras que encaixam,
Num mundo imperfeito
Vão dando cor
E alívio à alma
Num mundo imperfeito
Onde impera a dor
E o descontentamento.

Até ao dia,
Em que as palavras
Deixam de ser palavras
Para serem gestos.

Marta Rietsch Monteiro