sábado, 24 de novembro de 2007

Somos Todos Poucos

O problema da pobreza no Mundo, e especialmente em África, não pode deixar de preocupar quem tem um mínimo de consciência. Critiquei, há dias, o actual Papa por estar demasiado preocupado com os católicos que não participam nos rituais da Igreja e que não cumprem as suas normas, em vez de exigir que os crentes ponham em prática aquele que foi o principal desejo de Jesus Cristo: amar os outros homens, sejam eles quem e como forem.
Embora criada e educada dentro do Catolicismo, considero-me agnóstica. Vejo Cristo como um homem bom e o Cristianismo como uma filosofia de vida. A Igreja Católica, no seu todo, é muito pouco cristã e, por isso, não merece o meu respeito. Tenho de reconhecer, no entanto, porque acima de tudo quero ser justa, que há muitos padres e católicos que dedicam as suas vidas ou que, pelo menos, se preocupam e se disponibilizam na medida das suas possibilidades àqueles que mais precisam, os deserdados desta sociedade egoísta e cruel.
O texto que reproduzo a seguir foi-me enviado por um sobrinho meu, escrito por um católico (não sei se é padre) e creio que publicado na Revista Além-Mar. Estou de acordo com o que diz e penso que todos somos poucos para combater o flagelo da pobreza e da doença em África. Sobretudo, temos de entender que este é um assunto que também nos diz respeito.


















Sinais
Setembro

África nossa


Por: JOSÉ DIAS DA SILVA, Investigador universitário

Temos de começar por ver nos Africanos seres humanos iguais a nós e arrependermo-nos dos muitos pecados que estamos a cometer contra eles.

Dentro deste escândalo inaceitável da pobreza, apareceu uma notícia menos má. As pessoas em situação de miséria baixaram dos mil milhões. Mesmo que esta melhoria não seja uniforme, é um bom incentivo. É bom, contudo, não esquecer que em África a situação continua a ser muito grave.

A conjuntura internacional parece estar a despertar para este continente tão esquecido. Esquecido não só quanto a uma informação verdadeira, mas também esquecido porque não queremos assumir as nossas culpas passadas e presentes. E nestas coisas o esquecimento dá-nos a sensação de bem-estar e uma consciência tranquila.

A primeira atitude que temos de recuperar é que os Africanos são também pessoas, tão pessoas como nós. A cada um deles se aplica, tal como a cada um de nós, a definição do Concílio: «uno de corpo e alma», formado por inteligência, vontade, sabedoria, consciência moral e liberdade. Também eles, tal como cada um de nós, são criados à imagem de Deus, redimidos por Jesus Cristo e chamados à felicidade eterna. Nada nos distingue no que temos de fundamental, nada nos separa quanto ao que constitui a verdadeira essência do ser humano.

Uma segunda atitude, não menos importante, é assumirmos as nossas culpas, muitas e graves, nesta situação de pobreza e subdesenvolvimento que se vive em África. Não se trata só de crimes político-geográficos de um passado colonialista. Temos de olhar para o hoje e interrogarmo-nos sobre que tipo de ajuda demos para que os povos se democratizassem no quadro dos seus valores ancestrais. Quantas políticas destruidoras foram impostas pelos senhores, bem pagos e bem instalados, do FMI ou do Banco Mundial, que nada conheciam da cultura africana, do seu espírito comunitário, da força da sua solidariedade, da sua capacidade de trabalho, do seu amor pela natureza, da sua organização social! Quantas lutas foram incentivadas e estão a ser alimentadas para controlar os seus recursos naturais! Quantos milhões fazem os países do Norte a vender armas, que só terão venda enquanto houver guerras, se estimularem ódios tribais, se apoiarem os senhores da guerra! Há ainda a corrupção, não publicitada, com que compramos os ditadores, também eles mestres da corrupção, depositando nas suas contas privadas centenas de milhões de dólares e permitindo que os seus povos, tão ricos em petróleo, diamantes ou fosfatos, morram de fome, de doenças curáveis, de ignorância. Esta «maldição dos recursos» é estimulada pelos democráticos governantes da Europa e das Américas, mas também por todos nós, que os elegemos e os apoiamos com o nosso silêncio cúmplice, no caso das armas, com o nosso egoísmo individual ou grupal, no caso dos subsídios imorais aos agricultores, com a ignorância dos nossos preconceitos que nos fazem olhar esses povos como geneticamente preguiçosos, amantes dos genocídios e incapazes de se governarem.

Depois temos a roubalheira das ajudas, que João Paulo II classificou de «mecanismos perversos», pois, «manobrados pelos países mais desenvolvidos, favorecem os interesses de quem os manobra, mas acabam por sufocar ou condicionar a economia dos países menos desenvolvidos» (SRS 16), transformando-os em verdadeiras "estruturas de pecado".

Enquanto não nos libertarmos destes dois pecados graves, a ajuda aos Africanos sempre será primeiro que tudo uma ajuda aos nossos interesses mesquinhos. Temos, pois, de começar por ver nos Africanos seres humanos iguais a nós e arrependermo-nos, com propósito firme de emenda, dos muitos pecados que estamos a cometer contra eles.

Só assim, com a alma purificada e a consciência de que somos irmãos e de que «todos somos verdadeiramente responsáveis por todos» (SRS 38) podemos contribuir para que todos em conjunto transformemos a nossa única Terra na aldeia global que ela está chamada a ser, «sem excluir nem privilegiar ninguém» (CA 31).

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