sexta-feira, 1 de agosto de 2008

REFLECTIR COM LUÍS PORTELA


Reverência

Reverência pode ser sinónimo de mesura, cumprimento, tratamento especial dado a membros do clero, ou respeito pelas coisas consideradas sagradas.
Mas também pode querer dizer respeito pela Vida; respeito pela vida em todas as suas formas. Desejar não prejudicar ou destruir e assumi-lo progressivamente. Ser capaz de fazer o seu próprio trajecto evolutivo de uma forma equilibrada e harmoniosa perante o Todo Universal.
Reverência será então uma forma profunda de contacto com a Vida, para além do invólucro das aparências, procurando penetrar na essência. Será procurar perceber o seu próprio estado de ser, bem como a essência de cada pessoa, animal, planta, coisa. Será uma forma solidária de estar ou, mesmo, de ser. Implica somar ou multiplicar, nunca subtrair. Passa por construir e desenvolver, apoiar, partilhar e dar. Será uma forma responsável de estar ou, mesmo, de ser. Implica perceber a sua verdadeira força interior e a sua apreciável capacidade de realização. Passa por perceber, interiorizar, aprender como o pensamento, a palavra e a acção determinam a natureza das vivências. Está para além do respeito, porque este implica um juízo, uma reacção à percepção de qualidades que aprendemos a admirar, as quais podem variar de acordo com a cultura preponderante. Assim, o que é respeitado por umas pessoas pode não ser respeitado por outras. Mas a reverência todos a merecem e quem a assume fá-lo indiscriminadamente. A reverência deve permitir analisar serenamente o que se passa consigo e em torno de si no enquadramento da evolução do seu próprio eu e de todos aqueles que evoluem à volta (nos diferentes reinos da natureza). Deve permitir perceber o significado de cada criatura e das suas experiências no contexto universal. Deve conduzir à situação de já não se poder prejudicar a Vida, ao se sentir e assumir como parte dela. Uma pessoa reverente deve honrar a Vida em todas as suas formas e em todas as suas vertentes. O que parece fazer sentido é que todos acabem, mais cedo ou mais tarde, por atingir esse estado. Talvez as nossas escolhas se limitem a quando é que isso irá acontecer, bem como ao tipo de vivências que teremos para lá chegar
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Luís Portela
Jornal de Notícias, 30.07.2008