segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Cadernos do Subterrâneo

Toulouse-Lautrec (1894).Bordel da Rue des Moulins (Paris)

- Lisa, como podes dizer-me "como num livro", se também eu sofro por ti? E não só por ti. Tudo o que dormia no meu coração acordou agora... E tu não sofres por estar aqui? Não, é verdade, o hábito significa muito. Só Deus sabe o que o hábito pode fazer das pessoas. Será que pensas seriamente que nunca vais envelhecer, que vais ser sempre bonita e que te vão manter aqui pelos séculos dos séculos? Já não falando de que isto aqui também é nojento... Mas, aqui vai o que eu tenho para te dizer sobre isto, sobre a vida que levas agora: tu agora és bonita, és nova, és sincera; e pronto, quando acordei, há pouco, senti mesmo nojo por estar aqui contigo! Só em estado de embriaguez é que podemos vir parar aqui. Se tu estivesses noutro sítio qualquer, se vivesses como gente decente, talvez eu não só te tivesse desejado, me tivesse apaixonado, pura e simplesmente, ficasse feliz só com um olhar teu, já nem falo de uma palavra tua; talvez ficasse à tua espera ao portão, me pusesse de joelhos à tua frente; te considerasse como minha noiva, e visse isso como uma grande honra. Nunca pensasse nada de impuro sobre ti. Mas aqui, basta eu assobiar - e tu, queiras ou não, tens de me seguir, não és tu quem me dita a tua vontade, sou eu quem faz segundo a minha. O último dos camponeses aluga-se como jornaleiro, mesmo assim não se vende completamente, sabe que há um prazo. E o teu prazo, qual é? Pensa só: o que estás aqui a dar, o que vendes aqui?


A tua alma, sim, a tua alma, que não te pertence, que vendes ao mesmo tempo que o teu corpo! Expões a vexames o teu amor com o primeiro bêbado que apareça! O teu amor! Mas isso é tudo, é o teu diamante, o teu tesouro de rapariga, sabes o que é o amor? Há quem, para merecer o amor, esteja pronto a empenhar a alma, a deixar-se matar. E o teu amor, quanto vale agora? Compraram-te toda, és vendida na totalidade, e para que serve pedir amor se sem amor se pode obter tudo? Não existe ofensa mais grave para uma rapariga, não entendes isso? Ouvi dizer que vos deixam divertir, que vos deixam ter amantes. Não passa de uma brincadeira, pobres tolas, uma mentira, um sarcasmo que vos fazem, e vós engolis isso. Será que te ama de verdade, o teu amiguinho? Não acredito. Como pode amar-te, se sabe que basta eu assobiar para que o deixes? É um depravado! Tem alguma estima por ti, por mínima que seja? Que tens de comum com ele? Ele ri-se de ti e, ainda por cima, rouba-te - é esse o amor dele! Do mal o menos, se ele não te bater! Porque ele até, se calhar, te bate. Pergunta-lhe, caso tenhas um, se ele se quer casar contigo. Vai rir-se-te na cara, se não te cuspir em cima, se não te bater, e no entanto ele próprio não vale dois tostões. Por que continuas aqui, a desperdiçar a tua vida? Porque te dão café e comida farta? E dão-te de comer porquê? Se dessem com outra, com uma rapariga honesta, esse bocado de pão ficava-lhe atravessado na garganta, porque saberia por que lho dão. Estás em dívida aqui, vais estar sempre endividada, até ao fim, até ao momento em que os hóspedes já não queiram nada de ti. E isso vai acontecer muito em breve, não contes com a tua juventude. Tudo desaparece num abrir e fechar de olhos, aqui. Vão pôr-te no olho da rua. E não vão contentar-se em pôr-te fora, antes disso vão começar a maltratar-te, a censurar-te, a injuriar-te, como se não tivesses dado a tua saúde, como se não tivesses arruinado por nada a tua alma e juventude, mas como se fosses tu que tivesses deixado a tua patroa na miséria, a deixasses sem nada, como se fosses tu que a espoliasses. E não esperes por apoios: as tuas amigas vão unir-se contra ti para lhe agradar, são todas escravas disto, há muito que perderam a consciência e a caridade. São todas mulheres perdidas, não há nada pior, mais ignóbil, mais asqueroso no mundo do que as injúrias delas. E tu vais deixar tudo aqui, sem poderes salvar nada, a tua saúde, a tua juventude, a tua beleza, as tuas esperanças, aos vinte e dois anos vais ter o aspecto de uma mulher de trinta e cinco, podes dar-te por feliz se não estiveres doente, podes agradecer a Deus. Porque tu pensas, até aposto, que não trabalhas aqui, que te divertes! Mas não há trabalho mais duro no mundo, não há trabalhos forçados que sejam piores que isto. O coração é como se ficasse seco de lágrimas.

Fiódor Dostoiévski, Por Motivo da Neve Húmida,
in Cadernos do Subterrâneo