quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Uma outra forma de VIVER



"Os artistas são a forma mais humana da presença de Deus no mundo."

Alberto A. Abreu






Chega-se a Vila Nova de Cerveira e, desde logo, se impõe "O Cervo" rei, escultura em ferro de José Rodrigues, que lá do alto da serra domina a vila. Visita obrigatória. Para admirar a obra de arte e a obra da Natureza: uma soberba vista do Rio Minho e da sua "Ilha dos Amores."


Continuando a subida, deparamos com o Mosteiro de S. Paio anichado numa das pregas da Serra da Gávea. Foi fundado em 1392, durante o Grande Cisma do Ocidente, grave crise da Igreja Católica que separou a Cristandade em obediência a dois Papas (o de Roma e o de Avinhão).


Numa tentativa de regresso à pureza dos ideais franciscanos de pobreza e de missionação, abandonados pelo amolecimento moral gerado pela crise religiosa, Frei Gonçalo Marinho, vindo da Galiza, implantou quatro comunidades de franciscanos observantes, no Alto Minho, entre elas este convento, na bela serra cerveirense, onde já existia uma ermida em honra de S. Paio, de devoção popular.


Talvez devido ao isolamento e à áspera vida imposta aos monges o Convento vai sendo, progressivamente, abandonado. Nos finais do séc. XVII, já se encontrava em ruínas.


Reergueu-o a religiosidade barroca com um belo claustro de arcos de sóbria decoração, com uma capela [de capela-mor profunda para o coro dos frades e as sepultura de benfeitores] e um enfiamento de celas exíguas e modestas .


Em meados do séc. XIX, com a extinção Liberal das Ordens Religiosas, o Convento de S. Paio foi novamente abandonado, sendo os seus bens vendidos em hasta pública. A biblioteca e o recheio artístico foram pilhados.



Mesmo neste estado, desperta a paixão dum artista que, em 1974, dá início à sua recuperação. Até há pouco, José Rodrigues teve aqui a sua residência permanente [1] e uma Associação Cultural a funcionar. É visível o óptimo estado em que se encontram o edifício e o espaço envoltente.


O Convento de S. Paio, dos Milagres, é hoje um centro de artistas, um espaço arquitectónico com jardins e exposições.


O Convento, que teve a intervenção do arquitecto Viana de Lima, serve de ponto de partida para uma viagem ao séc. XIV.


A visita proporciona o enquadramento histórico-geográfico e a contextualização das exposições apresentadas nos diferentes espaços, divulgando a obra artística e de colecção do escultor José Rodrigues.


Os jardins oferecem um passeio de grande valor paisagístico e estético.





"Aqui coloquei testemunhos que fui coleccionando ao longo dos anos. Aqui plantei também trabalhos meus, pegadas dum percurso de 60 anos dedicados às artes (escultura, desenho, pintura).


Gostaria que este espaço voltasse a ser, como no tempo dos frades observantes que o fundaram, um lugar para o reencontro de cada um consigo mesmo, um retomar do ideal comunitário, onde o diálogo entre Homem-Natureza fosse harmonioso.


Para tornar possível este projecto tive a ajuda de um irmão amigo, Aníbal Belo, que juntamente com outros irmãos, se propôs criar esta Associação Cultural."

José Rodrigues






Como se tudo isto não fosse suficiente, pelas últimas informações que recolhi, vive há mais de dez anos, no Convento, o escritor Luandino Vieira, inteiramente dedicado à escrita. Não vive em reclusão. Vive com a sua companheira e, quando visitado por amigos, pode eventualmente ser encontrado numa "tasquinha", em Caminha, num repasto de animada conversa.



Esta visita, por enquanto só por fora, ao mosteiro teve em mim um forte impacte.



Primeiro, porque acho notável e digno de apoio e louvor este projecto de José Rodrigues e dos seus irmãos. Portugal seria, com toda a certeza, outro país se mais alguns de nós fôssemos capazes de tentar realizar os nossos sonhos. Este é um belo exemplo a seguir.



Depois... porque... comecei eu a sonhar. A acreditar na possibilidade (utopia?) de recuar no tempo e decidir viver doutra maneira. Projectos deste tipo poderiam resolver, eventualmente, muitos dos problemas sociais que enfrentamos, ao mesmo tempo que poderiam ajudar a salvar marcos do nosso passado, hoje votados ao abandono e ao esquecimento.



Acreditem que dei por mim a desejar viver num sítio como aquele. Sempre senti em mim uma tentaçãozinha ascética e talvez me fosse dado encontrar, num projecto deste tipo, a tal harmonia com a Natureza e o Universo, tal difícil de alcançar no "mundo dos homens".


[1] Penso que tudo continua a funcionar na mesma no Convento. O José Rodrigues continua a ser o seu proprietário e interessado neste projecto. Só que não é homem de "rotinas" e está a ultimar, neste momento, a abertura da Fundação José Rodrigues, numa antiga fábrica de chapéus, que comprou, e está a transformar. Fica na Rua da Fábrica Social, freguesia de Santo Ildefonso, no Porto.

Passe pelo meu blogue Amar o PORTO +, se pretende conhecer melhor este novo projecto de José Rodrigues:

http://amaroporto2.blogs.sapo.pt/

Vale a pena, acredite!