quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

1. Pobreza ameaça a classe média (por Helena Norte)

As famílias atingidas pelo desemprego e endividamento são os novos rostos dos dois milhões de pobres que existem em Portugal. A chamada classe média, esganada pelos créditos ou apanhada nas malhas do desemprego crescente, constitui uma nova forma de pobreza, que desafio os estereótipos associados a esse fenómeno. Hoje, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, milhares de pessoas levantam-se para lembrar. [...]
Ter emprego não significa estar acima do limiar de pobreza. O mito de que só quem não trabalha cai nas malhas da miséria é desmentido pelos números. 14% dos portugueses que trabalham estão em risco de pobreza [...]os novos pobres são aqueles que contraíram créditos ou assumiram responsabilidades financeiras que já não conseguem honrar, seja porque perderam o emprego ou porque o custo de vida está cada vez mais elevado. [...]
Estes novos fenómenos desafiam também as classificações tradicionais de classe média. "Se 20% dos portugueses concentram 80% da riqueza, já não há a chamada classe média", explica o padre Jardim Moreira. As desigualdades sociais, em Portugal, são ainda mais chocantes do que no resto da Europa. [...]
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2. Mas este não é o único dilema que Portugal hoje enfrenta. Atrás de milhões de pobres e de potenciais "remediados" existe uma classe média que sufoca. (por Paulo Pereira de Almeida)
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3. O Diabo dos Números (por Manuel António Pina, Por outras palavras)

Uma das lições de Teplotaxl, o Diabo dos Números de Hans Magnus Enzensberger, é a de que, mais do que para fazer contas, os números servem para pensar. Que pensar então com os números agora anunciados pelo INE, segundo os quais há dois milhões de pobres em Portugal, o que nos coloca no pelotão da frente da vergonha da União Europeia? Mais Portugal é o país da UE onde é maior o fosso entre ricos e pobres, isto é, onde os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. E os números referem-se a 2005, quando a taxa de desemprego andava na casa dos 7%. Hoje, como se sabe, já vai em 8,3%. Em contrapartida, nos primeiros seis meses deste ano, só o BES, o BCP, o Santander e o BPI lucraram 6,3 milhões de euros por dia, ou seja, cerca de 263,6 mil euros por hora. E, no último ano, as fortunas dos 100 portugueses mais ricos cresceram (os números, agora, são de Fernando Nobre, presidente da AMI) mais um terço. Entretanto, Isabel Jonet, da Federação dos Bancos contra a Fome, fala dos "novos pobres" que todos os anos engrossam o número de portugueses (em 2006 foram 216 mil) que dependem de ajuda alimentar para sobreviver. No meio disto, haverá decerto razões para se festejar outro número, o de 3% de défice. Mas não se justificará algum comedimento nos festejos?

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Pelo menos 3 portugueses denunciam, hoje, no Jornal de Notícias, a situação preocupante de milhões de portugueses. É evidente, que o problema é global. Mas... no espaço europeu (considerado rico), Portugal é, talvez, o país onde o Futuro nos parece mais "sem futuro".
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Albert Jacquard (cientista francês, nascido em Lyon, em 1925), no seu Ensaio sobre a Pobreza, procura algumas explicações para o que está a acontecer à Humanidade. Passo-lhe a palavra:
"Tudo está por saber, no que tem a ver com a forma como vivem os homens: uns com os outros ou uns contra os outros? O estado da nossa Terra não joga a favor da forma de vida que, implicitamente, adoptámos. Começamos a descobrir que as palavras de ordem da sociedade dominante, a sociedade ocidental baseada na competição, conduzem a colectividade humana à catástrofe. [...]
O futuro é hoje ditado pelos banqueiros. Para resolver os seus problemas, as nossas sociedades recorrem a um processo que crêem mágico: o crescimento; consumamos sempre mais e tudo irá da melhor maneira. [...]
Durante muito tempo, foram várias as doutrinas que se afrontaram; hoje, apenas uma parece merecer a aprovação de todos; apresenta-se como sendo científica e desenvolve as consequências de uma "lei" aparentemente tão prenhe quanto a do mundo físico: a "lei do mercado".
O fundamento dessa doutrina é a afirmação de que todo e qualquer bem tem um valor, e que este pode ser medido em função duma unidade monetária. Um quintal de milho, uma hora de prazer ou um rim para transplante podem, por definição, ser tarifados. Estão acessíveis a qualquer um, desde que este o possa pagar, isto é, dispor do dinheiro necessário. Esse dinheiro tornou-se o bem supremo, pois permite obter todos os restantes. [...] A Terra inteira tornou-se uma selva onde a virtude principal é ser-se competitivo, isto é, capaz de se levar a melhor sobre os restantes. Entretanto, essas competições desenfreadas destroem as riquezas não renováveis do planeta; no calor da luta, cada um finge ignorá-lo, urge ganhar, sem o que apenas resta a morte. Vae victis!
Para justificar um mecanismo tão destrutivo como este, o integrismo económico reinante leva a crer que é conforme a uma outra "lei", a da selecção natural. O desaparecimento dos elementos menos capazes duma colectividade, as hipóteses dadas aos que são bem sucedidos seriam a condição do melhoramento da média. [...]
A revolta daqueles que são as vítimas do cilindro compressor económico é asfixiada por um veneno subtil destilado à maneira duma evidência: os perdedores são os verdadeiros culpados da sua desgraça; por natureza ou por ausência de coragem, não fizeram o necessário; não podem culpar se não a si mesmos.
A Humanidade está hoje globalmente integrada e localmente deslocada. Globalmente integrada, porque os efeitos de uma acção num determinado ponto do planeta tem repercussões no destino de todos; esta interdependência é reforçada pela difusão instantânea da informação. Martelada, esta insere cada um numa rede perante a qual é passivo, e confere um poder inaudito aos que dominam as suas fontes. Localmente deslocada devido a essa mesma inserção numa rede planetária de malha Serrada. A pertença a uma Nação, a uma cultura, a uma classe social, não pode mais ser fortemente sentida. As solidariedades induzidas pelas pertenças desmoronam-se; cada um as reivindicava, outrora, como parte so seu ser; não são já se não uma vaga característica administrativa. É a dimensão humana de cada pessoa e de cada grupo, a sua identidade, que desaparece; um vazio separa uns dos outros, aqueles que deveriam antes ser os actores de uma acção comum."
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Se os números "servem para pensar", as palavras dos pensadores servem para reflectir e actuar. Não podemos abdicar de ser actores do nosso destino individual e comum.

terça-feira, 16 de outubro de 2007